quinta-feira, 23 de setembro de 2010

APOSTILA DE DIREITO PENAL

A LEI PENAL NO TEMPO

CONFLITO DAS LEIS PENAIS NO TEMPO

• Princípio “tempus regit actum” – a lei rege, em geral, os fatos praticados durante sua vigência, que se harmoniza com o princípio da reserva legal. Art. 1º do CP: Não há crime sem lei anterior que a defina. Não há pena sem prévia cominação legal – princípios da reserva legal (legalidade) e da anterioridade da lei penal. – Art. 5º, XXXIX da CF.

• Há possibilidade, conforme expressa disposição legal, de retroatividade ou ultratividade da lei.

Retroatividade: a norma jurídica é aplicada a casos ocorridos antes do início de sua vigência.

Ultratividade: aplicação da lei após sua revogação.

Princípios da lei penal no tempo

• Pelo princípio da anterioridade da lei penal (art. 1ª), a regra é a irretroatividade da lei penal.

• Se a lei posterior for benéfica (lex mitior) vai alcançar o fato praticado antes do início, ocorrendo a retroatividade da lei mais benigna (art. 5º, XL, da CF).

• Entrando em vigor lei mais severa que a anterior (lex gravior), não vai alcançar o fato praticado anteriormente, continuando a ser aplicada a lei anterior, ocorrendo a ultratividade da lei penal mais benigna (art. 5º, XL, da CF).

Será sempre aplicada a lei mais favorável.
- A lei penal mais benigna tem extratividade (é retroativa e ultrativa);
- A lei penal mais severa não tem extratividade (não é retroativa nem ultrativa).


Solução legal das hipóteses de conflito de leis penais no tempo:

1) Novatio legis incriminadora: não aplica – irretroativa – face o princípio da legalidade.
- arts. 1º e 5º, XXXIX, da C.F.
A lei nova torna típico (crime) fato anteriormente não incriminado.

2) Abolitio criminis: a lei nova não mais considera crime fato que anteriormente era considerado ilícito penal. Faz desaparecer todos os efeitos penais da sentença penal condenatória, permanecendo os efeitos cíveis. Haverá extinção da punibilidade nos termos do art. 107, III, do CP.
- art. 2º do C.P.
- “retroatividade da lei mais benigna”.

3) Novatio legis in pejus: a nova lei é mais severa que a anterior – irretroativa
- art. 5º, XL, da C.F. – A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (lex gravior);
- Lei 8072/90 – que fixou aumento de pena.
Haverá ultratividade da lei penal mais benigna.

4) Novatio legis in mellius: a nova lei é mais favorável que a anterior (lex-mitior)
- retroatividade da lei mais benigna
- art. 2º, parágrafo único, do CP e art. 5º, XL, da CF.
- Ex.: Alterações da Lei 9.714/98, que instituiu as “penas alternativas” (Art. 44, I, do CP).
- arts. 7º e 8º da Lei 8.072/90, que prevêem redução de pena aos associados ou partícipes dos crimes de quadrilha ou bando/ extorsão mediante seqüestro (159 do CP), no caso de delação e desmantelamento das quadrilhas.


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I . Lei intermediária:
No caso de 03 leis sucessivas, aplica-se a lei mais benigna.
Art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.


II . Conjunção de leis:
É a combinação de duas leis para favorecer o agente.

III . Competência para aplicação da lei mais benéfica:
Cabe ao Juiz que preside o processo ou ao Tribunal, se estiver em recurso.
Se em execução, ao Juízo das Execuções Criminais – Art. 66, I, da LEP (Lei de Execução Penal).

IV . Leis temporárias e excepcionais (Art. 3º do CP):

• Lei temporária: tem vigência previamente fixada pelo legislador.
• Leis excepcionais: são as que vigem durante situações de emergência.

Essas leis tem ultratividade, pois aplicam-se ao fato ocorrido na sua vigência, mesmo depois de auto-revogada. Não se trata de “obolitio criminis”, ou desinteresse pela punição do agente e sim da necessidade de vigência da lei após aquela situação excepcional ser superada.

A retroatividade e lei penal em branco
• Revogada a norma complementar (decreto, portaria, regulamento), não desaparece o crime. O que foi revogada é a norma complementar e não a lei.
Aplica-se o art. 3º do CP – possui caráter de ultratividade .
• Não terá ultratividade, porém, se a norma complementar não estiver ligada a uma circunstância temporal ou excepcional, mas sim ao aperfeiçoamento da legislação.
Ex.: exclusão de moléstia que complementa o art. 269 do CP (notificação da omissão de doença) – a moléstia não era infecto-contagiosa – aplica-se o art. 2º, parágrafo único.

LEMBRETE: TEMPO DO CRIME (TEORIA DA ATIVIDADE); LUGAR DO CRIME (TEORIA DA UBIQUIDADE); FORO COMPETENTE (TEORIA DO RESULTADO).


INTRODUÇÃO

Direito Penal

Conceito: é o ramo do direito público que define as infrações penais, estabelecendo as sanções aplicáveis aos infratores das normas penais.

INFRAÇÃO PENAL

Conceito: infração penal é uma conduta que viola um tipo penal.

Por sua vez, tipo penal é a descrição de um fato criminoso feita pela lei.

O tipo é um esquema, ou uma fórmula para avaliar se determinada conduta está incriminada ou não. O que não se ajusta ao tipo não é infração penal.

Ex: Art. 121 do CP. Matar alguém: (esse é o tipo penal do homicídio)
Pena – Reclusão de 6 a 20 anos (essa é a pena aplicada àqueles que praticarem a conduta descrita no tipo)

Portanto, se João matar Pedro, ele terá cometido uma infração penal, posto que praticou uma conduta que se ajusta perfeitamente a um tipo penal.

Espécies de infrações penais:

CRIMES OU DELITOS: é a infração penal a que a lei comina pena privativa de liberdade de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa. São infrações consideradas mais graves, por isso mais severamente punidas.

CONTRAVENÇÕES (“crimes-anão”): é a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples (privativa de liberdade) ou de multa (pecuniária), ou ambas, alternativamente ou cumulativamente. São infrações consideradas mais leves, por isso o abrandamento da punição.

Outras diferenças entre crimes e contravenções:

1. Os crimes podem ser apurados através de ação penal pública, seja esta condicionada ou incondicionada, ou mesmo através de uma ação penal privada; as contravenções sempre se apuram mediante ação penal pública incondicionada.

2. A peça inicial do processo nos crimes é a denúncia (ação penal pública) ou a queixa (ação penal privada), dependendo da espécie de ação penal prevista na lei; nas contravenções a peça inicial é sempre a denúncia (ação penal sempre pública).

3. Nos crimes, a tentativa é punível; nas contravenções, não.

4. Em certos casos, os crimes cometidos no exterior podem ser punidos no Brasil, desde que presentes os requisitos legais; já as contravenções cometidas no exterior não serão punidas no Brasil.

5. O elemento subjetivo do crime é o dolo ou a culpa; para a contravenção, entretanto, basta a voluntariedade (art. 3°, LCP).

DO CRIME

Conceito

O crime é um fato típico, antijurídico e culpável.

Este é o conceito de crime mais aceito atualmente pela doutrina brasileira, autores como Rogério Greco, Assis Toledo e Cezar Roberto Bitencourt, muito solicitados atualmente nos concursos, adotam o conceito tri-partido do crime ( fato típico - tipicidade, fato antijurídico- antijuridicidade e fato culpável - culpabilidade), tais autores são adeptos da chamada teoria causalista da ação, também chamada de teoria naturalista ou tradicional.

No entanto, para uma minoria de doutrinadores adeptos da teoria finalista da ação, o crime é composto apenas do fato típico e antijurídico, sendo tão somente estes seus elementos.

Face à maior aceitação dos autores brasileiros ao conceito tri-partido do crime (fato típico, antijurídico e culpável), este tem sido adotado em livros e materiais de estudo diversos, motivo pelo qual se adotou tal conceito neste material.

I. O FATO TÍPICO

O fato típico é uma conduta que está prevista num tipo penal. Desse modo, o fato típico compõe-se dos seguintes elementos:

1) Conduta: que será dolosa ou culposa; comissiva ou omissiva;
2) Resultado (apenas nos crimes que exigem resultado);
3) Nexo de causalidade entre a conduta praticada e o resultado advindo
4) tipicidade

Conduta

A conduta é o comportamento humano, voluntário e consciente (doloso ou culposo) dirigido a uma finalidade.

É necessário que a conduta seja voluntária e consciente, não se considerando conduta o ato meramente reflexo ou inconsciente.

Formas de condutas

1) Quanto à forma de praticar o crime, a conduta pode ser comissiva (praticada através de uma ação) ou omissiva (praticada através de uma omissão).

As condutas comissivas consistem em fazer o que a lei proíbe.

As condutas omissivas consistem em não fazer o que a lei obriga.

Classificação dos crimes omissivos:

Omissivos próprios (ou puros): se consuma com a simples omissão do sujeito ativo, independentemente, da ocorrência de um resultado danoso. Ex.: omissão de socorro.

Omissivos impróprios (ou comissivos por omissão): para se consumar depende da omissão do agente (que tinha o dever jurídico de evitar o resultado) e também da ocorrência do resultado danoso. Ex.: a mãe, que tinha o dever jurídico de alimentar seu filho, deixa de fazê-lo, provocando a morte da criança (a simples conduta de deixar de alimentar não constitui crime, mas o resultado morte que dela decorre constitui infração penal).

2) Quanto à intenção de praticar o crime, as condutas podem ser dolosas ou culposas.

Conduta dolosa

Será dolosa quando o agente tiver a intenção de praticar o fato descrito na lei penal. Crimes dolosos, portanto, são crimes intencionais.

Espécies de dolo

Dolo direto ou determinado é aquele em que o agente quer um resultado determinado, ex, quer matar alguém. (teoria da vontade)

Dolo indireto ou indeterminado é aquele em que a vontade do agente não é exatamente definida. Este tipo de dolo subdivide-se em dolo alternativo ou dolo eventual.

No dolo alternativo a intenção do agente se dirige a um ou outro resultado danoso, como, por ex., quando se efetuam golpes na vítima com intenção de feri-la ou matá-la.

No dolo eventual o agente não deseja diretamente o resultado, mas por não deixar de praticar a conduta que possivelmente trará o dano, assume o risco de produzi-lo. Ex: um médico que, para fim científico, experimenta certa substância química num paciente sabendo que esta pode vir a matá-lo. Se o óbito ocorrer, o médico responderá por homicídio doloso, na modalidade de dolo eventual, pois não quis diretamente a morte do paciente (dolo direto), mas assumiu o risco de produzi-lo por não deixar de praticar a conduta e por não se importar com a possível ocorrência do dano.

No dolo eventual o agente prevê o resultado de sua conduta e não deseja diretamente esse resultado. Mas diz para si mesmo: “seja como for, dê no que der, eu não deixo de agir”. Se ocorrer o dano, pensa ele, “pior para a vítima”.

Sendo assim, no dolo eventual o agente prevê o resultado danoso e não se importa com a sua ocorrência, por isso assume o risco de produzir tal resultado.

Conduta culposa

Diz-se crime culposo quando a prática do delito não é intencional, ocorre em virtude da negligência, imprudência ou imperícia do agente.

Elementos do crime culposo:

- conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva (voltada, geralmente, a um resultado lícito);
- inobservância de um dever objetivo de cuidado (o dever objetivo de cuidado é dirigido a todos e são regras de comportamento que têm a finalidade de manter a convivência harmoniosa na sociedade. A infringência ao dever de cuidado objetivo pode ocorrer na hipótese de imprudência, negligência e imperícia).
- resultado danoso involuntário (não intencional)
- nexo de causalidade entre a conduta do agente que deixa de observar o seu dever de cuidado e resultado lesivo dela advindo
- previsibilidade objetiva (é a previsibilidade que se presume todos possam ter. Se o fato escapar totalmente à previsibilidade do agente, o resultado não lhe pode ser atribuído, mas sim ao caso fortuito ou à força maior);
- tipicidade, pois só se pode falar em crime culposo se houver previsão legal expressa para essa modalidade de infração. A regra contida no parágrafo único do art. 18 é a de que todo crime seja doloso, somente se falando em delito culposo quando a lei penal expressamente fizer a ressalva. Portanto, o dolo é a regra; a culpa, a exceção.

Modalidades de culpa:

Imprudência – é a ação em que o agente demonstra o desprezo pelas cautelas normais. É conduta precipitada ou afoita, a criação desnecessária de um perigo. Ex: dirigir veículo em rua movimentada com excesso de velocidade.

Negligência – é a displicência, o relaxamento, a falta de atenção devida. Ex: 1)deixar arma de fogo ao alcance de criança; e 2) não observar que o sinal semafórico da esquina está vermelho e vir a atropelar um pedestre.

Imperícia – é a falta de habilidade técnica para certas atividades. Ex: dirigir sem ter habilitação.

Espécies de culpa:

Culpa inconsciente ou culpa comum – o fato era previsível, mas o agente não o previu, por falta da atenção devida. Ex: dirigir sem a atenção devida, sem se dar conta que pode atropelar alguém.

Culpa consciente – o agente prevê o resultado, mas acredita que o mesmo não ocorrerá, por confiar erradamente nas suas habilidades pessoais. Ex: um caçador vê uma lebre passando por perto de um companheiro de caçada. Não quer atingir o companheiro, embora perceba a possibilidade de atingi-lo. Confia, porém, na sua pontaria e atira na lebre, matando o companheiro.

Diferenças entre culpa consciente e dolo eventual:

1. Na culpa consciente, o agente, embora prevendo o resultado, acredita sinceramente na sua não-ocorrência; o resultado previsto não é querido ou mesmo assumido pelo agente. Já no dolo eventual, embora o agente não queira diretamente o resultado, assume o risco de vir a produzi-lo, por não se importar com a ocorrência do dano.

2. Na culpa consciente, o agente sinceramente acredita que pode evitar o resultado, em virtude de suas habilidades pessoais; no dolo eventual, o agente não quer diretamente produzir o resultado, mas, se este vier acontecer, pouco importa.

A essência da culpa está na previsibilidade (em não prevê o que se devia e podia ser previsto. Se o fato não podia ser previsto, é porque foi resultante de caso fortuito ou força maior, não atribuível, portanto, a quem não lhe deu causa).

Observações sobre o crime culposo:

1) Na caracterização do crime culposo é necessário que haja um resultado, e que o resultado tenha sido causado por imprudência, negligência ou imperícia. Sem resultado lesivo não há crime culposo. Assim, se um motorista imprudente avança um sinal de trânsito, mas não causa danos a ninguém, ele não terá cometido o crime de tentativa de lesão corporal culposa, posto que não houve dano, mesmo porque, como veremos no item seguinte, não se admite tentativa em crimes culposos. O motorista, no entanto, terá cometido uma infração administrativa pela qual será multado.
2) Não há crime culposo tentado; e
3) Há co-autoria nos crimes culposos.

Obs: Crime preterdoloso: quando há dolo no crime antecedente (ex: lesão corporal) e culpa no crime conseqüente (ex: morte da vítima). Ex: Quando se que lesionar a integridade física de uma pessoa aplicando-lhe um soco, no entanto, por falta de atenção ao local onde a vítima ia cair, o ofendido bate com a cabeça no meio fio e morre. Neste caso o crime é de lesões corporais seguida de morte e não de homicídio, pois não havia intenção de matar, a morte decorreu da falta de atenção do agente que responderá pelo crime de lesões corporais seguida de morte, um crime preterdoloso.

Resultado

O resultado é a conseqüência da conduta humana descrita num tipo penal. Ex: Matar alguém (descrição da conduta humana prevista no tipo penal de homicídio – art. 121) resultado: a morte da vítima.

Nexo causal

O nexo causal (relação de causalidade) é a relação de causa e efeito existente entre a conduta do agente e o resultado dela decorrente.

Relação de causalidade

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Superveniência de causa independente

§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

Causas relativamente independentes são aquelas que, por si só, produzem o resultado, mas que se originam na conduta do agente. Classificam-se em:

1) Preexistentes – quando a causa que determinou o resultado danoso é anterior à conduta criminosa. Ex: “A” querendo matar “B”, lhe desfere um golpe de faca, golpe este que, por si só seria insuficiente para provocar a morte de uma pessoa comum, mas em razão de “B” ser hemofílico (causa preexistente), acaba falecendo pela grande perda de sangue. Neste caso, o agente responde pelo crime, pois não se rompe o nexo causal.

2) Concomitantes – quando a causa que determinou o resultado danoso se verificou ao mesmo tempo que a conduta do agente. Ex: no exato instante em que o agente dispara contra a vítima, vem esta a sofrer um infarto (decorrência do susto e, por isso, ligada à conduta do sujeito). O agente responde pelo crime, pois não se rompe o nexo causal.

3) Supervenientes – quando a causa que determinou o resultado danoso é posterior à conduta criminosa, rompe-se o nexo entre a conduta do agente e o resultado advindo, motivo pelo qual não responde o agente pelo resultado final, responsabilizando-se, no entanto, apenas pelos atos até então praticados (art. 13, § 1°). Ex: a vítima leva um tiro na barriga (conduta do agente) e é colocada em uma ambulância; durante o trajeto, a ambulância se envolve em uma colisão e a pessoa morre em razão dos novos ferimentos; assim, como a causa da morte foi o acidente, a pessoa que efetuou o disparo não responde por “homicídio consumado”, mas apenas por tentativa.

Tipicidade

O último elemento do fato típico é a tipicidade.

A tipicidade é o encaixe perfeito entre a conduta praticada pelo agente e aquela prevista no tipo penal, ou seja, é a exata correspondência entre o fato praticado e a descrição legal existente. Onde não há tipicidade, não há crime.

II. A ANTIJURÍDICIDADE OU ILICITUDE

Ilicitude, ou antijuridicidade, é a relação de antagonismo, de contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico.

Pode-se dizer que quando o agente pratica uma conduta típica a regra será que essa conduta também seja antijurídica. Contudo, há ações típicas que pela posição particular em que se encontra o agente ao praticá-las, se apresentam em face do Direito como lícitas. Essas condições especiais em que o agente atua impede que suas condutas venham a ser consideradas antijurídicas. São situações de excepcional licitude que constituem as chamadas causas de exclusão da antijuridicidade, justificativas ou descriminantes.

Portanto, a prática de um fato antijurídico se caracteriza por dois elementos: 1º) a realização do fato típico e 2º) a ausência de uma causa de justificação que afaste a ilegalidade do fato praticado.

Antijurídica, portanto, é uma ação típica que não está justificada.

De outro lado, estando justificada por das causas excludentes de ilicitude, a conduta típica não será antijurídica.

Causas de exclusão de ilicitude previstas na parte geral do Código Penal

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:

I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Excesso punível

§ único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

ESTADO DE NECESSIDADE

Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

Características do estado de necessidade:

- o fato típico praticado deve ser para proteger um bem jurídico que está exposto a um perigo atual;

- o perigo deve ameaçar direito próprio ou alheio, o agente atua para defender um bem próprio ou alheio. Essa defesa vai concretizar-se com a ofensa de bem jurídico de um terceiro inocente. Ex. destruição de um tabique de madeira do vizinho, para deter um incêndio. Comete-se um fato típico (crime de dano) contra o vizinho, fato que estará justificado pela necessidade de proteger um bem jurídico de maior relevância, que é o patrimônio, ou até mesmo a vida daquele que será salvo;

- a situação de perigo não pode ter sido causada voluntariamente (entenda-se dolosamente) pelo agente;

- inexistir o dever legal do agente para enfrentar o perigo. Portanto, o policial, o bombeiro, soldado, quando no exercício de suas funções, não podem alegar estado de necessidade;

- inevitabilidade da conduta, quer dizer, sem a conduta seria impossível salvar o bem do perigo a que está exposto;

- razoabilidade do sacrifício, ou seja, o bem sacrificado deve ter valoração igual ou inferior ao bem preservado;

- conhecimento da situação justificante, ou seja, a consciência de que está agindo amparado pela excludente de ilicitude do estado de necessidade.

Ex.: 1) a disputa de náufragos pela posse de uma tábua de salvação; 2) a destruição de um tabique de madeira do vizinho, para deter um incêndio; 3) acusado que, desempregado, devendo prover a subsistência de prole numerosa e esposa grávida, subtrai alimentos e utilidades domésticas em supermercado.

Observação sobre o estado de necessidade:

1. É possível admitir estado de necessidade contra estado de necessidade. No exemplo dos náufragos, estariam ambos em estado de necessidade.

LEGÍTIMA DEFESA

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Características da legítima defesa:

- Reação a uma agressão humana (quando o bem é exposto a risco por animais ou coisas caracteriza-se estado de necessidade);

- a agressão deve ser injusta, ou seja, a vítima não pode ter dado causa à agressão;

- a agressão deve ser atual ou iminente;

- defesa de direito próprio ou de terceiro;

- utilização dos meios necessários (são os meios menos lesivos à disposição do agente para repelir a agressão).

- moderação – a reação deve ser moderada, e os meios realmente necessários. Exemplo clássico de imoderação e de uso de meios não necessários é de matar a tiros um menor, para impedir a subtração de frutos de uma árvore.

- conhecimento da situação justificante (elemento subjetivo).

Observações sobre a legítima defesa:

1. O primeiro pressuposto que distingue a legítima defesa do estado de necessidade é a existência de uma agressão injusta, atual ou iminente. Portanto, não é possível agüir legítima defesa contra legítima defesa. Evidentemente, porque uma das atuações seria uma agressão injusta e a outra seria uma resposta a tal agressão. A primeira não está justificada, visto que é a injusta agressão; a segunda está, pois é o meio de defesa da vítima.
2. Contudo, é possível a existência de legítima defesa putativa (falsa) contra legítima defesa putativa. E também legítima defesa real contra legítima defesa putativa.

Ex: 1) Legítima defesa putativa (falsa) X Legítima defesa real: “A” vê “B” enviar a mão no bolso e pensa que ele vai sacar uma arma. Pensando que vai ser atacado, “A” atira em “B” que apenas ia tirar o cigarro do bolso. Após o ataque de “A”, “B”, defendendo-se, realiza um disparo. Neste caso “A” agiu em legítima defesa putativa e “B” em legítima defesa real.

2) Legítima defesa putativa X Legítima defesa putativa: dois inimigos, supondo que um vai agredir o outro, sacam suas armas e atiram pensando que estão se defendendo. Ambos estão em legítima defesa putativa, e esta não exclui a antijuridicidade da conduta, posto que falsa, no entanto excluirá a reprovabilidade (culpabilidade) das condutas, visto que quando agiram os autores dos disparos não tinham potencial consciência da ilicitude do fato que praticavam, conhecimento este que é elemento constitutivo da culpabilidade, como veremos no tópico referente ao tema.

Outra observação: a utilização de ofendículos com fins à proteção de propriedade, tais como o uso de cercas elétricas, ganchos e cacos de vidros colocados em muros, são tidos por alguns doutrinadores como legítima defesa, visto que se estaria repelindo uma agressão iminente; para outros, no entanto, seria exercício regular do direito do proprietário em proteger seu patrimônio. De uma maneira ou de outra, o uso de ofendículos exclui a ilicitude da conduta, posto que amparado por uma ou outra excludente de antijuridicidade.

Excesso: é a intensificação desnecessária de uma conduta inicialmente justificada. O excesso sempre pressupõe um início de situação justificante, posto que, a princípio, o agente estava agindo coberto por uma excludente, mas, em seguida, a extrapola.

O excesso pode ser doloso (descaracteriza a legítima defesa a partir do momento em que é empregado o excesso e o agente responde dolosamente pelo resultado que produzir) ou culposo (é o que deriva de culpa em relação à moderação; nesse caso, o agente responde por crime culposo).

Estrito cumprimento do dever legal: Não há crime quando o agente pratica o fato em estrito cumprimento ao dever legal, como no caso do oficial de justiça que apreende bens para penhora, ou no caso dos policiais militares que para dar cumprimento a um mandado de prisão violam o domicílio, seqüestram e após encarceram aquele contra quem o mandado foi expedido.

Se aquele que age no estrito cumprimento do dever legal extrapolar os limites, haverá crime.
Exercício regular de direito: consiste na atuação do agente que atua dentro dos limites a ele conferidos pelo ordenamento legal. O sujeito não comete crime por estar exercitando um direito a ele conferido pela lei. Exs.: 1) numa intervenção cirúrgica em que o médico lesiona o paciente com o fim de tratá-lo; 2) nas lesões esportivas, desde que respeitadas as regras do esporte.

O exercício abusivo do direito faz desaparecer a excludente.

III. A CULPABILIDADE

A culpabilidade é a reprovabilidade que o autor de um fato típico e antijurídico merece.

Para que haja reprovação do autor de um fato típico e antijurídico, é necessário que ele seja imputável, tenha potencial consciência da ilicitude do que fazia e que fosse exigível dele uma conduta diferente da que praticou.

São, portanto, elementos da culpabilidade: a Imputabilidade, a Potencial Consciência da Ilicitude do Fato e a Exigibilidade de Conduta Diversa.

I. IMPUTABILIDADE

A imputabilidade penal é a possibilidade de se imputar (atribuir) a alguém à prática de um crime, ou seja, é o conjunto de condições pessoais que dá ao agente a capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de uma infração penal.

Em princípio, todos são imputáveis, exceto aqueles abrangidos pelas hipóteses de inimputabilidade enumeradas na lei.

São inimputáveis:

1. Os que por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado eram, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapazes de entender o caráter ilícito do fato ou de determina-se de acordo com esse entendimento.

Como se vê, a imputabilidade é constituída por dois elementos: um intelectual (capacidade de entender o caráter ilícito do fato) e o outro relativo à vontade do agente (capacidade de determina-se de acordo com esse entendimento). O primeiro é a capacidade de entender as proibições jurídicas. O segundo, a capacidade de dirigir sua conduta de acordo com este entendimento.

Se a pessoa, seja por doença ou retardo mental, não tem condições de entender a ilicitude do fato que pratica, não pode a ela ser imputada (atribuída) uma pena.

De outro lado, mesmo que a pessoa entenda a ilicitude do fato que quer praticar, mas não tem controle de suas ações de modo que realiza tal conduta, a ela também não será aplicada uma pena e sim uma medida de segurança.

2. Os menores de 18 anos, nos termos do art. 27 do CP e 228 da CF, são inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

Adotou-se, portanto, o critério biológico, que presume, de forma absoluta, ser o menor de 18 anos inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.

A legislação especial que regulamenta as sanções aplicáveis aos menores é o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90).

3. A pessoa que por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, é inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determina-se de acordo com este entendimento.

A embriaguez será completa quando faz desaparecer qualquer censura ou freio moral, ocorrendo confusão mental e falta de coordenação motora, não tendo o agente mais consciência e vontade livres.

No entanto, para isentar o réu de pena, a embriaguez completa deverá ser involuntária, ou seja, proveniente de caso fortuito ou força maior.

Costuma-se chamar de caso fortuito o evento atribuído à natureza e força maior aquele produzido pelo homem. Se alguém, em visita a um alambique, escorrega e cai dentro de um barril repleto de cachaça, se, ao fazer a ingestão da bebida ali existente, vier a se embriagar, sua embriaguez será proveniente de caso fortuito. No entanto, se durante um assalto a vítima do crime de roubo, após ser amarrada, é forçada a ingerir bebida alcoólica e vem a se embriagar. Essa embriaguez será proveniente de força maior.

Nos dois casos, se depois da embriaguez, a pessoa pratica um crime, estando inteiramente incapaz de entender o que faz ou de determina-se de acordo este entendimento, a ela não será aplicada pena.

Se a embriaguez é incompleta, mas também é proveniente de caso fortuito ou força maior a pena será reduzida de 1/3 a 2/3.

Quando a embriaguez é voluntária ou culposa, o agente será responsabilizado pelos seus atos, mesmo que, ao tempo da ação ou da omissão, seja inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determina-se de acordo com esse entendimento.

Diz-se embriaguez voluntária quando o agente, por vontade própria, faz ingestão de bebidas alcoólicas com a finalidade de se embriagar. Ex. Quando jovens, para comemorar alguma data, dizem que “beberão até cair”.

Na embriaguez culposa o agente não faz a ingestão de álcool querendo embriagar-se, mas, deixando de observar o seu dever de cuidado, ingere quantidade suficiente que o coloca em estado de embriaguez. Nessa hipótese, o agente, por descuido, por falta de costume ou mesmo sensibilidade do organismo, embriaga-se sem que fosse sua intenção colocar-se neste estado. A embriaguez culposa também não exclui a imputabilidade penal.

Quando o agente se embriaga justamente para tomar coragem para a prática do delito (embriaguez preordenada), a embriaguez atuará como agravante da pena que lhe será aplicada pelo crime (art. 61, II, “l”).

4. A dependência de substância entorpecente ou estar o agente sob o efeito de substância entorpecente, proveniente de caso fortuito ou força maior também exclui a imputabilidade penal.

Os semi-imputáveis

Se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, a pena poderá ser reduzida de 1/3 a 2/3.

Diferenças entre os inimputáveis e os semi-imputáveis:

1. Os semi-imputáveis sofrem uma perturbação na saúde mental que não lhes retira, de forma total, a capacidade de entendimento e autodeterminação. Nestes casos, ocorre apenas uma redução da capacidade de entendimento, motivo pelo qual haverá a redução de pena.
2. Os inimputáveis, por sua vez, sofrem de uma doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que retiram do agente, de forma total, a capacidade de entendimento e autodeterminação.

Outra questão sobre imputabilidade penal

* A emoção e paixão não excluem a imputabilidade penal. Entretanto, apesar de não excluírem o crime, podem funcionar como atenuantes genéricas - art. 65, III, “a” ou como causas de diminuição de pena - art. 121, § 1º, desde que acompanhadas de outros requisitos.

II. Potencial consciência da ilicitude

É a possibilidade de o agente entender, na hora do fato, que a conduta por ele praticada é contrária ao direito.

O que se exige não é uma consciência plena da ilicitude, pois se assim o fosse, somente os sábios operadores do direito a teriam, o que se exige é uma consciência potencial da ilicitude, ou seja, que o agente entenda, ou possa entender, em virtude da bagagem cultural que recebeu, que a conduta praticada é ilícita, errada, contrária ao direito.

Não há necessidade de que o agente tenha tido a plena consciência, na hora do crime, da ocorrência da ilicitude, mas se apenas ele pudesse ter, com alguma diligência, essa consciência, ele será penalizado.

Efeitos jurídicos da consciência, ao menos potencial, da ilicitude:

Se o agente tinha ou podia ter a consciência da ilicitude do que fazia – há culpabilidade.

Se não tinha ou não podia ter a consciência da ilicitude do que praticava – não há culpabilidade, pois terá agido em erro de proibição e ficará isento de pena.
Erro de proibição
Assim dispõe o art. 21, caput, CP: "O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato (erro de proibição), se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuir a pena de um sexto a um terço".
O nosso CP, na primeira parte do art. 21 foi fiel a regra de que o desconhecimento da lei não é escusável, ou seja, se o agente desconhece a lei que proíbe abstratamente aquele comportamento, essa ignorância não afasta sua responsabilidade. Até por quê, se se pudesse alegar o desconhecimento da lei, para alguém se livrar da responsabilidade, não haveria possibilidade de aplicação de pena, tantas seriam as desculpas de desconhecimento.
No entanto, apesar de o desconhecimento da lei ser inescusável (indesculpável), é previsto como circunstância atenuante pelo art. 65, II, CP.
 O erro de proibição não possui relação com o desconhecimento da lei. Trata-se de erro sobre a ilicitude do fato, neste caso o agente é isento de pena por desconhecer que a conduta é contrária ao direito, desse modo, não quis ele burlar o ordenamento, só cometeu a conduta porque acreditava ser esta lícita. É essa boa-fé que o isenta de pena e não o fato de o agente desconhecer a lei.
Sendo assim, se uma pessoa analfabeta subtrai um objeto de alguém, apesar de ela desconhecer a lei, sua ação é reprovável (culpável), visto que sabia que era errada a sua conduta.
No erro sobre a ilicitude do fato, o agente supõe permitida uma conduta proibida; lícita, uma conduta ilícita. O seu erro consiste em um juízo equivocado sobre aquilo que lhe é permitido fazer na vida em sociedade.
Pouco importa se o agente conhecia ou não a lei, pois esse desconhecimento ele não poderá alegar, em face da presunção de que ninguém ignora o texto da lei. O que importa é o conhecimento do caráter injusto do ato, da consciência de que se está fazendo algo errado.
No erro de proibição, o agente pensa agir de acordo com as leis, mas, na verdade, pratica um ilícito em razão de equivocada compreensão do Direito.
No erro de proibição, o agente tem perfeita compreensão da situação de fato, equivocando-se apenas sobre a injustiça do que faz.
Desse modo, por excluir a potencial consciência da ilicitude, o erro de proibição exclui a culpabilidade.
No erro de proibição, o agente atua com vontade, ou seja, com dolo, portanto o primeiro requisito do fato típico punível encontra-se presente (a conduta). A solução da questão se dará na culpabilidade. Esta não há, uma vez que se pratica o fato por erro quanto à sua ilicitude.
Espécies de erros de proibição:
1. O erro de proibição direto recai sobre seu comportamento, o agente acredita sinceramente que sua conduta é lícita. Pense, por exemplo, turista que trazia consigo maconha para consumo próprio, pois em seu país era permitido tal uso.
2. O erro de proibição indireto se dá quando o agente supõe que sua ação, ainda que típica, é amparada por alguma excludente de ilicitude. Pode ocorrer em duas situações, quais sejam: 1. Quando aos limites - o agente pratica o fato, porém, desconhece seus limites, como por exemplo, João ameaça José, este por sua vez vai à sua casa, pega a arma e mata João. Se enganou, pois pensou que a legítima defesa poderia se dar em relação a um mal futuro. Desconhecia José que a referida excludente de ilicitude se refere à agressão atual e iminente.
2. Quanto à existência: o agente supõe presente uma causa que está ausente, como exemplo pode-se citar o caso de alguém que, sendo credor de outrem, entende que pode ir à casa deste pegar o dinheiro devido, sendo certo que tal atitude configura crime de Exercício Arbitrário das Próprias Razões (art.º 345 CP).
III. Exigibilidade de conduta diversa – refere-se ao fato de saber se nas circunstâncias seria exigível que o acusado agisse de forma diferente.

Se era inexigível do agente outra conduta que não a praticada, fica excluída a sua culpabilidade (que o isenta da pena).

Causas legais de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de outra conduta

1. Coação moral irresistível – é a decorrente do emprego de grave ameaça.
O coator é quem responde pelo crime praticado pelo coagido.

No caso de coação moral irresistível, o coagido pratica, geralmente, um fato típico e antijurídico. Contudo, a infração penal por ele cometida não lhe será imputada (atribuída), pois, em virtude da coação a que foi submetido, não se podia exigir dele uma conduta conforme o direito.

Pode-se citar como exemplo o caso daquele que é obrigado a causar a morte de alguém, pois, caso contrário, seu filho é que seria morto, uma vez que se encontrava nas mãos de seqüestradores, que exigiam tal comportamento do coagido, sob pena de cumprirem a ameaça de morte. Nesta última hipótese, quando o coagido vai à procura da vítima e contra ela efetua os disparos exigidos pelos seqüestradores, o fato por ele praticado é típico e antijurídico. Entretanto, o resultado morte não lhe poderá ser imputado, haja vista que o CP determina somente a punição do autor da coação irresistível que, no caso, seriam os seqüestradores.

Se for demonstrado que a coação moral era resistível, poderá, nas circunstâncias, a pena ser reduzida.

A coação física se dá com o emprego de violência física, quando uma pessoa obriga outra a praticar um crime. Ex: forçar a mão da vítima para que ela aperte o gatilho de um revólver - nesse caso, a violência física empregada retira totalmente a voluntariedade da ação, de modo que o coagido se apresenta como mero instrumento do coator e, assim, não existe fato típico (por ausência do seu primeiro requisito - a conduta humana voluntária).

2. Obediência hierárquica – se o agente pratica o fato cumprindo uma ordem não manifestamente ilegal (ilegalidade não perceptível, de acordo com o senso médio) de seu superior hierárquico, exclui-se a culpabilidade do subordinado (fica isento de pena), respondendo pelo crime apenas o superior hierárquico.

A obediência a que a lei se refere é aquela decorrente de relações de direito público, ou seja, a obediência de um funcionário público a uma ordem proferida por outro funcionário que, na hierarquia administrativa, lhe é superior.

A exclusão da culpabilidade só existe quando o subordinado observa estrita obediência à ordem emanada do superior; assim, se a ordem era legal, e o subordinado se excede, vindo a cometer um crime, apenas ele pratica o delito.

E se a ordem é manifestamente ilegal, também não estará afastada a culpabilidade.

CAPÍTULO
O ERRO NO DIREITO PENAL

ERRO DE TIPO
O erro de tipo está previsto no art. 20 do Código Penal. Ocorre quando o indivíduo por não ter plena consciência do que está fazendo, acaba por cometer uma infração penal.
O erro de tipo ocorre em virtude de uma falsa compreensão da realidade feita pelo agente, na verdade, a sua falsa concepção da situação de vive, o faz transgredir um tipo penal.
Ex.: se o alguém pega pasta alheia, pensando ser sua, houve um erro de tipo, pois o equívoco incidiu sobre a situação de fato, o agente não sabia o que estava fazendo, por isso cometeu a conduta contrária ao direito.
Ocorre que a realidade por ele desconhecida está descrita no tipo penal do furto, como seu elemento (subtrair coisa alheia móvel). Por essa razão, o erro é chamado de erro de tipo, pois o erro incidiu sobre um dos elementos que compõe o tipo penal.
Veja-se que na conduta por ele praticada não havia dolo, mas apenas culpa (negligência). Por isso, o mesmo poderia ser responsabilizado por furto culposo, no entanto, o furto só é criminoso quando praticado dolosamente.
O erro de tipo é, portanto, um equívoco do agente sobre uma realidade descrita num tipo penal incriminador.
Classificação do erro de tipo:

1. Erro de tipo essencial: é o que recai sobre os elementos que constituem o tipo penal, de forma que o agente não tem consciência de que está cometendo uma infração. Ex: Pensar que está matando um macaco, num local onde a caça é permitida, quando na verdade o disparo foi contra um caçador.
A realidade desconhecida pelo atirador está descrita no tipo penal de homicídio, como seu elemento (matar alguém). O erro de tipo é essencial porque incidiu sobre o elemento (alguém) que constitui o tipo penal do homicídio.
Assim, em razão da falsa percepção da realidade tida pelo agente, este pensava que cometia um irrelevante penal (caçar em área permitida), quando, na verdade, praticava um homicídio.
O erro de tipo essencial pode ocorrer de duas formas:

Erro escusável, desculpável, inevitável ou invencível: Verifica-se quando o resultado teria ocorrido, mesmo que o agente tivesse empregado toda diligência necessária na sua ação. Nesse caso, excluem-se o dolo e a culpa e o agente não é punido.

Diz-se isso porque se o erro não podia ser vencido, nem mesmo com o emprego de cautela, não se pode dizer que o agente procedeu de maneira culposa. Assim, além do dolo (sempre excluído no erro de tipo), fica eliminada também a culpa.

Como sem o dolo e sem culpa não existe conduta e, sem ela, não há fato típico, o erro de tipo essencial inevitável leva à atipicidade do fato e, por isso, à exclusão do crime.

Erro inescusável, indesculpável, evitável ou vencível: Verifica-se quando o resultado teria sido evitado, se o agente tivesse empregado prudência mediana em sua ação.

Se o erro poderia ter sido evitado com um mínimo de cuidado, não se pode dizer que na conduta do agente não houve culpa (negligência, imprudência ou imperícia). Assim, se o fato for punido sob a forma culposa, o agente responderá por crime culposo. No entanto, quando o tipo não admitir a modalidade culposa (caso do furto), e tendo o erro de tipo excluído o dolo, a conseqüência será a exclusão do crime, visto que ausente a previsão da conduta culposa.
Exemplo de erro vencível: Quando tio e sobrinho saem para uma caçada e cansados de esperar pela presa, o sobrinho resolve sair para buscar água. Ao retornar, já ao anoitecer, o tio acha que o vulto do sobrinho é uma caça e sem tomar as cautelas necessárias (verificar se de fato era um animal), acaba por atingi-lo. Neste caso, o tio responderá por homicídio culposo. Se o tio tivesse tomado todas as cautelas, não haveria crime, pois o erro de tipo seria escusável.
2. Erro de tipo acidental: é o que recai sobre elementos secundários do crime, dessa forma, a compreensão do agente não é prejudicada, tendo o mesmo consciência de que está cometendo uma infração penal. Por essa razão, é um erro que não traz qualquer conseqüência jurídica: o agente responde pelo crime como se não houvesse erro.
            
Espécies de erro de tipo acidental:

a) Erro sobre o objeto: o agente imagina estar atingindo um objeto, mas na verdade atinge outro. Ex.: uma pessoa, querendo furtar um aparelho de videocassete, entra na casa da vítima e, por estar escuro, acaba pegando uma aparelho de som.

Veja-se que o agente sabe que está cometendo um furto, apesar de se equivocar quanto ao objeto subtraído, por isso o erro é irrelevante e o agente responde pelo crime.

O erro sobre o objeto é erro sobre a coisa.

b) Erro sobre a pessoa: o agente, com a conduta criminosa, visa acertar uma pessoa, mas por equívoco atinge outra. Ex.: querendo matar João, Caetano efetua um disparo contra José, por este ser muito semelhante fisicamente a João.

Nesse caso, o sujeito responde pelo homicídio, visto que tinha ciência de que praticava tal conduta.

No entanto, serão consideradas as características da vítima a quem realmente se pretendia atingir.
Ex.: mãe, sob a influência do estado puerperal, resolve matar seu próprio filho, logo após o parto, no entanto, ao se dirigir para o berçário, engana-se e provoca a morte de outro recém-nascido, supondo ser o seu (nos termos do art. 20, § 3°, deve a mãe ser responsabilizada por infanticídio e não por homicídio).

c) Erro na execução (“aberratio ictus”): ocorre quando o agente querendo atingir determinada pessoa, efetua o golpe, mas, por má pontaria ou por outro motivo qualquer (desvio do projétil, desvio da vítima), acaba atingindo pessoa diversa da pretendida.
Nesse caso, estabelece o art. 73 que o sujeito responderá pelo crime, levando-se em conta as qualidades da vítima a quem pretendia atingir, além disso, pode acontecer de o agente efetivamente atingir quem pretendia e, por erro na execução, atingir também outra pessoa, caso em que responderá por crime doloso em relação a quem queria atingir e por crime culposo em relação à outra vítima.

d) Resultado diverso do pretendido (“aberratio criminis”): ocorre quando o agente quer atingir um bem jurídico, mas atinge bem de natureza diversa. Ex.: uma pessoa, querendo cometer crime de dano (quer atingir o patrimônio alheio), atira uma pedra em direção ao bem (vidraça), mas, por erro de pontaria, atinge uma pessoa que sofre lesões corporais (o agente só responde pelo resultado provocado (lesões corporais) na modalidade culposa, e, ainda assim, se previsto na hipótese, contudo, se não existir previsão legal de crime culposo para o resultado provocado, não se aplica a regra do “aberratio criminis”, respondendo o sujeito pela “tentativa de dano”, pois, caso contrário, o fato ficaria sem punição).

Se a ação atingir além do bem desejado pessoa ou bem diverso, responde pelo crime de “dano” em concurso formal com o delito de “lesão corporal culposa”.

e) Erro sobre o nexo causal (“aberratio causae”): ocorre quando o agente, imaginando já ter consumado o crime, pratica nova conduta, que vem a ser a causa efetiva da consumação. Ex.: supondo já ter matado a vítima com emprego de veneno, o agente cava um buraco no quintal de sua casa e a enterra, vindo esta a falecer apenas em razão do soterramento, neste caso o agente neste responde por “homicídio doloso consumado” e não por “tentativa de homicídio doloso” em concurso com “homicídio culposo”).

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

A respeito da consumação, assim dispõe o Código Penal:

Art. 14 - Diz-se o crime:

I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;

Portanto, o crime está consumado quando todos os elementos descritos no tipo penal foram realizados pelo autor, visto que ele conseguiu percorrer todas as fases do crime. Ex: Quando se quer cometer um homicídio e a vida da vítima realmente é ceifada.

Etapas ou fases do crime (“iter criminis”):

1ª) cogitação – o agente está apenas pensando em cometer o crime; o pensamento é impunível, pois todos podem pensar o que bem quiser.

2ª) preparação – compreende a prática de atos imprescindíveis à execução do crime. Nessa fase ainda não se iniciou a agressão ao bem jurídico. O agente não começou a realizar a conduta descrita no tipo penal, logo o crime não pode ser punido, pois ainda não ocorreu. Ex: alugar uma casa, onde será mantido em cativeiro o empresário a ser seqüestrado; conseguir um carro emprestado para ser usado em um roubo a banco.

Como se vê, os atos, em regra, não são puníveis, por ainda não haver ataque ao bem jurídico protegido pela norma. Há casos excepcionais, no entanto, em que o ato preparatório por si só constitui crime, como, por ex., no crime de “quadrilha ou bando”, em os integrantes são punidos pela simples associação, ainda que não tenham começado a cometer os crimes para os quais se reuniram.

3ª) execução – começa aqui a agressão ao bem jurídico. Nessa fase, o agente inicia a realização da conduta descrita no tipo, e, por isso, o crime já se torna punível. Ex: os assaltantes entram em um banco e, apontando as armas para os funcionários, anunciam o assalto. Ex: o agente, armado com uma faca, aborda a vítima e a leva para um matagal, com o intuito de estuprá-la etc.

4ª) consumação – quando todos os elementos contidos no tipo são realizados.

Em relação à tentativa, preceitua o inciso II do art. 14 do Código Penal:

Art. 14 - Diz-se o crime:

II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

§ único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de 1/3 a 2/3 (o critério que o juiz deve utilizar em relação à quantidade de diminuição de pena é a maior ou menor proximidade da consumação).

Ocorre a tentativa, portanto, quando, iniciada a execução, o crime não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Ex: Quando, logo após o anúncio do assalto, a polícia chega e prende os ladrões sem que tenham tido tempo de subtrair qualquer quantia da vítima. Nesse caso, a pena será reduzida, visto que o delito não foi consumado, não tendo havido, por isso, redução no patrimônio da vítima.

A tentativa pode ainda ser classificada em perfeita ou imperfeita.

Tentativa perfeita: quando o agente esgota, segundo seu entendimento, todos os meios que tinha ao seu alcance a fim de alcançar a consumação da infração penal, no entanto não há consumação do crime por circunstâncias alheias à sua vontade. Ex: José arma uma emboscada para Pedro com a intenção de matá-lo e, para isso, resolveu dar três tiros na vítima, ocorre que, logo após os disparos, a vítima foi socorrida e operada, conseguindo escapar da morte.

Já na tentativa imperfeita (ou tentativa inacabada) o agente é interrompido durante a prática dos atos de execução, não chegando a realizar tudo o que intencionava para consumar o delito. Ex: Se José desse apenas um disparo na vítima, por ter aparecido alguém na hora da execução, não vindo a pessoa lesionada a falecer, pois o tiro foi de raspão.

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